A este propósito, podem colocar-se algumas questões interessantes sobre custos e proveitos e sobre a responsabilidade financeira (e/ou económica ) dos mesmos no âmbito do exercício da actividade médica hospitalar e sobre os riscos disciplinares desta mesma actividade.
Considerou a acusação que "Houve com efeito uma violação de deveres disciplinares por via dum comportamento negligente do arguido, .... concretamente o custo da administração da toxina em 8 de Julho....".
E continou a acusação "Encontrando-se legalmente estabelecido o princípio de responsabilidade directa dos subsistemas de saúde pelo pagamento dos encargos decorrentes dos cuidados de saúde prestados aos respectivos beneficiários, nos casos dos beneficiários do Sistema Nacional de Saúde, essa responsabilidade pelo pagamento recai sobre o hospital para o qual o centro de saúde referenciou o doente e que presta esses cuidados."
Prosseguiu a acusação "O Despacho 3/2010 prevê, em alternativa, à marcação de consulta no mesmo hospital, o encaminhamento para outra instituição hospitalar, ..."
A instrutora do Processo entrou aqui numa lógica dedutiva fazendo tábua rasa de princípios de base tais como:
- Os pressupostos exigíveis ao exercício da actividade médica;
- Os princípios de financiamento do exercício da actividade médica hospitalar.
É por demais evidente, e disso tenho dado provas inequívocas ao longo do meu exercício profissional, a minha preocupação com os custos que resultam dos actos médicos.
Faz parte da lógica do financiamento e da respectiva administração que a cada acto gerador de um custo deve corresponder uma contrapartida em termos de receita. É com base no balanço entre custos e receitas, que os responsáveis hierárquicos devem estabelecer normas e limites de actuação, enquadráveis no quadro orçamental da instituição.
Quanto à toxina botulínica, aqui em apreciação, salienta-se que ela está disponível na farmácia hospitalar para utilização por mera prescrição médica, não existindo qualquer norma regulamentadora ou condicionante da sua utilização. Há vários médicos na instituição (CHC EPE) a fazer a sua aplicação, não existindo qualquer documento que refira que o respectivo custo não é compensado pela receita gerada.
Também como não existe qualquer norma regulamentadora no que respeita às hospitalizações nos Serviços de Infecciosas ou de Hematologia, onde a contrapartida de receita é claramente inferior ao custo de produção da mesma diária.
Também como não existe qualquer norma regulamentadora no que respeita às hospitalizações nos Serviços de Infecciosas ou de Hematologia, onde a contrapartida de receita é claramente inferior ao custo de produção da mesma diária.
Por comparação, poderiam os Directores daqueles Serviços desencadear Processos aos médicos dos respectivos Serviços pelo facto destes, pelo mero exercício da sua actividade clínica, estarem em "violação de deveres disciplinares por via dum comportamento negligente", gerador de custos para a instituição.
No entanto, a alternativa é sugerida pela própria instrutora que, à luz do Despacho 3/2010 prevê "em alternativa, à marcação de consulta no mesmo hospital, o encaminhamento para outra instituição hospitalar". Aliás esta lógica levada às suas últimas consequências levar-nos-ia a afirmar que se não tratássemos ninguém, a instituição ainda teria lucro (como é que ninguém implementou previamente esta sábia medida de gestão?), uma vez que a actividade terapêutica é geradora de despesas.
No entanto, a alternativa é sugerida pela própria instrutora que, à luz do Despacho 3/2010 prevê "em alternativa, à marcação de consulta no mesmo hospital, o encaminhamento para outra instituição hospitalar". Aliás esta lógica levada às suas últimas consequências levar-nos-ia a afirmar que se não tratássemos ninguém, a instituição ainda teria lucro (como é que ninguém implementou previamente esta sábia medida de gestão?), uma vez que a actividade terapêutica é geradora de despesas.
É com base nestes pressupostos, porque em sítio algum foi afirmado que os actos por mim realizados, não haviam sido registados efectivados e facturados, que se construiu uma lógica de acusação, que eventualmente teria alguma lógica jurídica (que eu desconheço), mas que, na sua aplicação cega à actividade clínica se torna perigosa para todos nós, agentes de uma actividade hospitalar, qualquer que seja a área profissional. Também é curioso constatar que se estes actos não tivessem sido registados, efectivados e facturados, deles não existiria rasto e o processo não teria existido, de onde se concluiria que o crime compensa?
Mas estes problemas não são lineares e há que colocar cada macaco no seu galho:
- Ao jurista pede-se que avalie a legalidade dos factos (e não que crie factos);
- Ao médico exige-se que desempenhe a sua actividade segundo as "legis arts", cumprindo os regulamentos institucionais;
- Aos gestores pede-se que avaliem a adequação da actividade clínica aos recursos financeiros e que regulamentem em conformidade,
sendo desejável que cada um conheça bem as suas funções e os seus limites, para bem de todos.
Na acusação de que fui vítima tudo se confundiu sendo imputada ao médico a responsabilidade de balizar a sua intervenção com base exclusivamente em critérios financeiros (ninguém pôs em causa a indicação); a regulação da actividade médica cabe a quem foi outorgada a responsabilidade política pela sua definição e não ao executor final.
Felizmente que a decisão sancionatória deste processo não dependia exclusivamente do referido processo de acusação, e que o Conselho de Administração, fazendo uma leitura esclarecida do Processo, decidiu o seu arquivamento recusando a proposta de sanção.