A que propósito um comentário sobre este título? Apercebi-me
pelos comentários de alguns Deputados na Assembleia da República e por
comentários de alguns amigos do ciberespaço, de que o tema central da Greve e
de desentendimento com o Ministério da Saúde, continua a não ser compreendido.
Decidi então escrever este breve comentário seguindo a
máxima: explica-me com se eu fosse muito burro. Aqui vai.
As Carreiras Médicas foram regulamentadas por Decretos Lei
publicados em 2009, dando continuidade, sequência e atualização a documentos
análogos prévios. Como tal, não é um texto corporativo, mas sim um documento
produzido pelo Governo da Nação, que teve um amplo apoio das estruturas
representantes da classe médica. Parece pois estranho que sejam os principais
visados a pugnar pela sua aplicação e não o Estado a exigir o seu cumprimento.
Os cuidados prestados no âmbito das estruturas do Sistema
Nacional de Saúde resultam do funcionamento de estruturas organizacionais
altamente complexas, fortemente hierarquizadas com base em competências dos
diferentes profissionais nela integrados. Neste âmbito podem comparar-se a
outras estruturas prestadoras de serviço públicos onde a hierarquia baseada nas
competências e na dependência hierárquica dos intervenientes não são, nem podem
ser postas em causa.
Alguns exemplos para simplificar são descritos em seguida.
Imaginemos um Tribunal onde os Juízes recentemente admitidos
são contratados por empresas de outsourcing, para fazer julgamentos e só vão ao
tribunal para as sessões; deixam todo o restante trabalho inerente aos
processos para os profissionais que trabalham regularmente no Tribunal e que
dependem da hierarquia existente. Mais ainda, vamos continuar a imaginar que um
jovem Juiz, com dois ou três anos de experiência na primeira instância é
nomeado para um dirigir um Tribunal Supremo. Parece-vos que podemos acreditar
que a qualidade desta justiça é confiável?
Imaginemos uma estrutura militar onde os soldados são
contratados por uma empresa de outsourcing (tal como os mercenários), sem
qualquer relação contractual com a estrutura existente, logo sem vínculo
hierárquico com as estruturas de comando. Continuemos a supor que deste
conjunto de militares contratados, até vamos "promover” um a comandante de
companhia, à margem dos regulamentos existentes. Quem me diz que este
“Comandante” está à altura de desempenhar funções numa organização em que ele
nunca esteve integrado?
Imaginemos o corpo de Polícia que admite efetivos, para
policiamento urbano, através duma contratação por outsourcing. A situação é
idêntica à dos militares, dos juízes, dos MÉDICOS, dos bombeiros e de muitos
outros exemplos que possamos aqui elencar, com base nos mesmo pressupostos.
A contratação por outsourcing não é um processo mais
económico de por em funcionamento estruturas organizadas, garantes do bom
funcionamento da sociedade. Pode ser o “esquema” mais barato de gerir recursos
humanos descartáveis, o que não é o caso da organização que referi acima a
título de exemplo. A produtividade não pode continuar a ser associada à
insegurança e simplificação do posto de trabalho (transferindo o trabalho de base
para os efetivos), mas sim a uma cultura de responsabilização e de exigência,
que todos ganharíamos se começasse a ser exemplificada pela responsabilização
dos profissionais de nomeação política. Estes, tal como os contratados por
outsourcing, nunca são responsabilizáveis, porque estão de passagem, apenas a
prestar um serviço.
É por estas razões que exigir o cumprimento do Decreto da
Carreiras Médicas é fulcral para o funcionamento das estruturas de saúde, com
garantia de qualidade, de responsabilidade e de produtividade. Será isto uma
esquisitice corporativa?