Artigo publicado originalmente na Revista Médicos do Centro em Julho de 2012.
O relatório clínico é um elemento
fundamental do processo clínico, e que por isso exige muita atenção dos médicos
que o elaboram e dos médicos que são responsáveis pela sua supervisão.
Este relatório tem uma
importância decisiva no procedimento de codificação, com repercussões evidentes
na avaliação da produção hospitalar conducente ao seu financiamento. Para além desta vertente administrativa importa
reforçar o aspecto fulcral da informação clínica na continuidade dos
procedimentos terapêuticos, para lá daquele a que o relatório se reporta.
Dada a minha atividade médica
hospitalar, refiro-me aqui ao relatório da alta de um episódio de internamento
hospitalar, cujas implicações são amplas em termos de continuidade de cuidados
quer a nível dos Cuidados de Saúde Primários, quer a nível de outras unidades
hospitalares a juzante ou mesmo das estruturas sociais que lidam com pessoas
que de algum modo necessitaram de cuidados hospitalares.
É assim patente que o relatório clínico
merece que eu lhe dedique algumas linhas, à luz da experiência de leitura de
relatórios de alta, provenientes das mais variadas especialidade médicas. Com
estes comentários quero contribuir para uma melhoria da qualidade da informação
produzida e naturalmente dos actos médicos que lhe são subsequentes.
Graças ao registo e tratamento
informático dos dados pessoais, hoje pouco temos a acrescentar à correcta
identificação do utente que vai constar do relatório. Pelas mesmas razões,
também as datas a que os relatórios se reportam ficam com margem reduzida para
erro. Há no entanto melhorias que podem ser introduzidas no sistema de registo,
de modo a ser melhor perceptível o movimento que o utente teve dentro da
instituição, quando a hospitalização decorreu em dois ou três serviços da mesma
instituição. No entanto, o médico pode sempre colmatar esta falha eventual dos
registos informatizados automáticos, quando faz a sua descrição da evolução
doente.
O motivo da hospitalização deve
sempre ser referido de modo objectivo, explícito e claro, fazendo referência ao
modo de admissão (via urgência, hospitalização programada).
A partir daqui vemos de tudo.
Descrições mais ou menos elaboradas de sinais e sintomas, acrescidas de
resultados mais ou menos copiados de relatórios de exames complementares de
diagnóstico, de tal modo que a sua leitura torna-se por vezes enfadonha e pouco
esclarecedora. Falta muitas vezes uma descrição simples e objectiva que permita
compreender o raciocínio clínico, as dúvidas que foram suscitadas e uma
capacidade crítica de seleccionar a informação disponível nos exames
complementares de diagnóstico que é relevante para o diagnóstico e para a terapêutica.
O uso e abuso do “copy” e “paste” estão na origem de descrições excessivas,
desnecessárias e desprovidas de qualquer interesse informativo para o
diagnóstico e para o tratamento. Como exemplos extremos podemos comparar um
relatório de alta telegráfico de cirurgiões ortopedistas, com um relatório
extenso de várias especialidades médicas (Medicina Interna, Neurologia, Gastro…);
o primeiro ocupa menos de uma pagina A4, é informativo, mas muitas vezes
escasso; o segundo ocupa 2 ou 3 páginas A4 (ou mais) e consegue ser por vezes
menos informativo.
O uso de iniciais e nomes de
testes de baterias de avaliação, específicos do jargão de alguma
especialidades, contribui também para a produção de um documento pouco
informativo.
Qual é a importância disto? Para
além da importância que a informação pode ter para a gestão e tratamento dos
doentes em causa, o conteúdo e forma de apresentação do relatório médico
espelham por vezes a confusão que envolveu o raciocínio clínico da
hospitalização referida. Torna-se difícil separar o trigo do joio, encontrar os
aspectos relevantes da referida hospitalização bem como os achados
significativos dos muitos exames complementares de diagnóstico realizados.
Para completar esta confusão, é
raro encontrar uma conclusão. E este aspecto é perigoso, ao mesmo tempo indicia
uma má qualidade médica. A ausência de conclusão de um relatório de alta traduz
(na melhor das hipóteses) uma ausência de espírito crítico por parte de quem
elaborou o relatório, mas também uma ausência de avaliação crítica por parte
dos responsáveis pelos serviços e pelos relatórios que de lá saem.
Quero deste modo ajudar a
contribuir para a abertura duma reflexão sobre a forma e o conteúdo dos
relatórios de alta em particular e para os relatórios clínicos em geral, pois
eles são a melhor expressão da qualidade da Medicina praticada.
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