Desde o meu tempo de estudante que
ouço os comentários mais variados sobre a remuneração dos médicos. E como
frequentei a faculdade nos tempos quentes pós 25 de Abril, naturalmente que
ouvi comentários muito revolucionários criticando as chorudas remunerações dos
médicos, contrastando com as das classes ditas exploradas.
Muita água correu debaixo das
pontes desde então e muita gente esqueceu os propósitos honestos, sérios e
justos de uma juventude cheia de ideais.
Alguns anos depois as criticas
voltavam-se para algumas alegadas ilegalidades da prática médica, também
relacionadas com dinheiro e com vigarices visando o lucro fácil.
De repente, no tempo das vacas
loucas (fictícias), passou a ganhar-se dinheiro loucamente, explorando um
sistema mercantil da prática médica, promovido pelos pagadores, o próprio
Ministério da Saúde.
Depois de ter promovido o
crescimento inapropriado dos recursos humanos nas instituições de saúde, de ter
promovido as remunerações baseadas em produções destituídas de objectivos sociais
e ou de saúde, vem este Ministério promover esquemas remuneratórios
miserabilistas, promovendo a desqualificação, não dos médicos, mas da Medicina.
Refiro-me à contratação de recursos
humanos via empresas de recrutamento. Na minha terra existia este regime de
trabalho para os chamados “contratados” que iam fazer a apanha dO café e ou do
algodão. Mesmo neste contexto, trabalho individual, sem encadeamento
processual, aquele regime era considerado injusto e explorador dos
trabalhadores (no tempo em que se acreditava nalguma justiça social). Hoje
contrata-se um médico, um enfermeiro, um fisioterapeuta, um terapeuta da fala
por valores ridículos, para fazer trabalho altamente diferenciado, enquadrado
em trabalho com sequência e continuidade de cuidados, como se estivéssemos numa
linha de fabricação de charcutaria.
O profissional de saúde vai à
instituição, pratica os seu atos específicos e depois deixa o utente entregue
aos cuidados dos profissionais residentes, com os quais não estabelecem uma
relação hierárquica, nem sequer de colaboração.
Em 30 anos passámos duma prática
médica bem remunerada na atividade privada, por uma atividade hospitalar dependente,
com um ordenado fixo miserável, e horas extraordinárias pagas principescamente,
quantas vezes questionáveis. Chegámos agora ao tempo em que continuamos a ser pagos
de modo miserável para produzir atos e não para fazer Medicina. Qualquer
contrato impõe horas e produção que promove a desqualificação e o fim da
Medicina como uma atividade organizada em torno do doente.
Não me revejo em nada disto e
espero não ter que um dia vir a ser utente de um regime destes. O que me custa
a aceitar é que por mais vil que seja este sistema, vão sempre aparecer profissionais
de saúde para alinhar por necessidade real ou por ganância.